Análise do conto “Uma galinha”, de Clarice Lispector

O conto em análise se inicia como se o narrador estivesse contando uma historinha, “Era uma galinha de domingo”, lembrando que, neste dia, costumamos estar mais relaxados, almoçamos em família e fazemos diversas coisas. Então, percebe-se que o conto vai girar em torno da galinha, o que se confirma quando o narrador diz: “Ainda viva”. Lembrando que “uma galinha” pode ser qualquer galinha. Apesar de o conto tratar de uma galinha, percebe-se que a narradora fala da galinha como se estivesse falando de uma pessoa, “Parecia calma. Desde sábado encolhera-se num canto da cozinha.”, até que anuncia-se que a galinha foi escolhida “Mesmo quando a escolheram”. Neste momento, me vejo na pele da galinha, já que, em alguma fase de nossas vidas acabamos por ser também escolhidas, seja para o sexo, o casamento, etc. Para a surpresa do telespectador, esta galinha não é aquela que senta, espera ser abatida, ela foge “Foi pois uma surpresa quando a viram abrir as asas de curto vôo, inchar o peito e, em dois ou três lances, alcançar a murada do terraço”. Desse modo, nos identificamos com a galinha, já que quantas de nós fugimos quando somos escolhidas? É a luta pela sobrevivência, como é o caso da galinha “Pouco afeita a uma luta mais selvagem pela vida”. Lispector, no conto, desperta-nos o espírito da compaixão, “Sozinha no mundo, sem pai nem mãe”. Sentiria o leitor compaixão pela galinha? O conto mexe com nossas emoções. É um momento de perseguição, onde o predador quer devorar sua presa, e a presa quer se desvencilhar das armadilhas do predador. No trecho “Estúpida, tímida e livre. Não vitoriosa como seria um galo em fuga.”, percebemos que a figura da galinha é comparada à do macho, o que podemos relacionar da mulher em relação ao homem, já que é mais comum o homem sair para trabalhar e sair de casa mais cedo que a mulher. Porém, para a infelicidade do leitor, a galinha é pega e presa, “Entre gritos e penas, ela foi presa.” E, “Em seguida carregada em triunfo”, cuja passagem mais uma vez nos identificamos com a galinha, já que muitas vezes não passamos de um triunfo para a cultura machista. O destino da galinha já estava traçado, ela iria para a panela, mas algo inesperado acontece, ela bota um ovo, simbolizando a maternidade no universo feminino, veja: “nascida que fora para a maternidade, parecia uma velha mãe habituada”. Foi então que percebeu-se algo “— Mamãe, mamãe, não mate mais a galinha, ela pôs um ovo! Ela quer o nosso bem!”, cuja cena mais parece de um parto recém feito “Todos correram de novo à cozinha e rodearam mudos a jovem parturiente.” Até que mediante tal acontecimento, resolve-se não comer a galinha porque ela estava botando ovos. O tempo vai passando, “Até que um dia mataram-na, comeram-na e passaram-se anos.”. Percebe-se então que quando a galinha não foi mais útil, ela foi descartada, assim como muitos de nós. Em resumo, o narrador fala da galinha como se estivesse falando de uma pessoa, o que nos faz reconhecer-se no texto, em nossos momentos mais íntimos, como o da maternidade, ensinando-nos que quando não somos mais úteis somos descartados, assim como uma galinha. Andréia Franco

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